Subi à sumptuosa torre do Convento e escalei até aos ponteiros do majestoso relógio que a compõem.
Dependurada neles, abonei-lhes o tempo suficiente para que parassem. Cessou o som característico do seu Tic-Tac. Automaticamente foi substituído pelo gracioso chilrear dos pombos que fazem desta torre a sua hospedagem favorita.
Mais estranho me pareceu a paisagem circundante, antes caracterizada pelo burburinho das gentes da terra que se atropelavam, com a corda dos sapatos dotada no seu melhor, rematadas em fantásticas correrias, como quem apressadamente apanha o comboio que ameaça em partir. Num passo de mágica renderam-se a uma doce quietude escutando a relaxante música da Enya,
E num ponto tudo assim começou, silenciosa e disfarçadamente o mundo nos mostra que a ordem do momento é obrigatoriamente parar.
A grande crise mundial está muito além de uma crise económica, é antes de mais uma grande revolução de mentalidades e de valores.
As horas de trabalho já sufocavam qualquer cidadão, o acordar de madrugada e o regressar a casa a altas horas da noite, tocados pelo cansaço extremo, direcionavam qualquer um a aquietar-se apenas quando se permitissem deslizar pelo acolhedor cheiro a lençóis.
Fora agora substituído pelo trabalho da manhã que em poucas horas já se presenceia altamente concluído. O da tarde, esse que se estendia após o término do horário estipulado, jamais dá direito a horas extras de suor e sem a concernente remuneração adicional.
As ruas e avenidas constantemente repletas de ruidosas viaturas das mais variadas cores e cilindradas, avistam-se paradas junto aos passeios a contar as horas para chegar a casa, outras já nem se aventuram a sair das próprias garagens, trocadas algumas delas pelos mais económicos mas não menos enfadonhos transportes públicos.
As lojas repletas de filas deram lugar a salas de convívio entre funcionários, que anseiam desesperadamente a visita de um potencial cliente, a fim de arremessar para bem longe a escura nuvem do pesadelo que os atormenta, intitulado de falência.
O telefone rouco de tantas conversas, negócios, pedidos disto e daquilo, cala-se timidamente a aguardar que outro fale por ele.
De madrugada adentro brilha diariamente o sol despertino, sorrindo e motivando os trabalhadores para mais um dia de trabalho, com a expectativa de que hoje será melhor que ontem. De pequeno-almoço na mão em chávena almoçadeira, sorvem-se esperanças de que vale a pena a luta e que venceremos os nebulosos dias de futuro mórbido.
O cheiro a defunto no magricela local de trabalho contrasta com a frescura da paisagem circundante. Comtemplar as árvores e teimosamente deliciar-me com o pôr-do-sol, são as migalhas que junto como certas após mais um dia de trabalho que fenece.
Sem dó nem piedade, tudo permanece com um enervante nervosismo em cada colega que me cruzo, disfarçado de leiga tranquilidade ordenada no poeirento arquivo morto, não classificada pelo suor de tantos dias, mas por saudades daqueles tempos de queixumes bobos, por se querer valorizar insignificantes atitudes encontradas no lixo do nosso quotidiano.
Abraçada a uma fé sem limite, vale a pena contracenar estes tempos difíceis com a clareza de quem consegue viver de alma limpa e sabedoria perspicaz.
Uma nova vida engole a descartável vivência ao redor de valores materiais, em que se suponha tudo se comprar com a facilidade de uma respiração, desde o conforto físico ao emocional. Perdera-se o controle, nos afastamos da assência.
Se educava lado a lado com a palavra dar em detrimento da palavra estar. Estar presente, educar com sublimes palavras e amor, algo que jamais se encontra à venda.
Novos tempos de dolorosas e drásticas alterações nos estremecem do confortável modo de vida, jorrando um mar de tristeza de nossos corações. Há que olhar com mestria aos novos tempos e sugar deles o aroma dos novos conhecimentos que têm a proeza de nos elevar à categoria de novos seres.
Parar sim, para nos permitir refletir e olharmos com atenção para o novo mundo que nos espera.
A dor da mudança será atempadamente tratada com o elixir dos grandes valores morais que há muito asfixiavam da falta de atenção por parte da maioria dos seres de deambulavam sem rumo pela vida á espera de encontrar tudo aquilo que já têm dentro deles desde o seu nascimento.