Ali estava ela sentada no banco da paragem do autocarro, como sempre, aninhada a um canto, invisível aos olhos de quem passava.
Mas se os outros não a viam, ela pelo contrário, observava um a um, cada pormenor, cada passo dado mecanicamente e ao ritmo certo. Nada lhe escapava, tudo era analisado e visto com a simplicidade que só os olhos de uma criança conseguiam ver e sem julgamentos.
Mariana era o seu nome, filha de uma família de mais sete irmãos pequenos, onde o espaço para o carinho e os cuidados de uma mãe que se tinha que dividir em tantos braços, não permitia que a deixa-se sair de casa perfeitamente arranjada , deixando irradiar a beleza que lhe era própria.
Todos os dias saia de casa caminho à escola, com os seus longos cabelos castanhos, onde o emaranhado de caracóis escondiam quase na íntegra aquele rosto lindo que vislumbrava uns olhos de um verde, que quem conseguisse ter a capacidade de os focar, não poderiam esquecer mais. Suas roupas eram como que um jogo que variava entre um imenso colorido e estampados tão irregulares que pareciam um puzlle cheio de peças à espera que alguém as colocasse no seu devido lugar. Serviam apenas para agasalhar um pequeno corpo que se movimentava de uma forma tão graciosa que parecia que caminhava dançando ao som de música.
Se por um lado a pequena Mariana parecia não se importar com a sua imagem, por outro, o caminho da escola era diariamente desviado rumo à paragem de autocarro. Onde permanecia todo o tempo de aulas e assim não se sujeitava às censuras dos seus colegas, nem sentia a discriminação pelo simples facto de se vestir assim e de ser pobre.
Ficava observando as pessoas, ouvindo relatos tão interessantes da vida de cada um e criando as suas próprias histórias. Com esta observação, o seu crescimento progredia adquirindo conhecimentos acerca da vida completamente diferente dos outros meninos da sua idade.
Tudo isto a juntar aos imensos livros que devorava durante os fim de semana que passava no sótão da casa da sua avó. Lia tudo o que encontrava, desde as histórias mais infantis e escritas com palavras são simples que qualquer criança conseguiria entender, até ao compêndio mais difícil de decifrar. Adorava adquirir todos os conhecimentos que tinha ao seu dispor. È que a ausência da escola a entristecia, pois o gosto por aprender era enorme, mas o desconforto que os seus colegas lhe proporcionavam era muito superior e assim, encontrava neste modo de vida, o alimento para satisfazer a sua enorme curiosidade.
Grande experiência de vida onde a amálgama que surgia do resultado entre a vida real e a ficção dava lugar dia após dia a um ser bem formado. Mas não era fácil, a observação da vida das pessoas lhe oferecia a maior parte das vezes uma informação totalmente adversa à que adquiria pelos livros. Sobretudo no que toca aos relacionamentos, pois os contos tinham quase sempre um final feliz e aquilo que contemplava era uma constante correria e imensa insatisfação.
Mariana encontrava o seu porto seguro e o seu equilíbrio junto ao espantoso lago perto da casa de sua avó onde nadavam sem pressas nem aborrecimentos alguns cisnes. Não se arreliavam uns com os outros e a sua única prioridade era deslizar calmamente lago acima, lago abaixo, mergulhando e comendo pedacinhos de fragmentos que iam encontrando de quando em quando.
Com esta observação que por vezes lhe ocupava horas, a sua mente acalmava, e sentia-se como quem volta ao útero materno e é envolvida por uma profunda paz. Aqui encontrava o amor e o carinho de si para si própria que compensava o afago que faltava receber da sua progenitora. Sentia-se quase sempre invisível. Entrava e saia de casa quase sem ninguém dar por isso, passeava pela rua e sentava-se no banco sem que ninguém lhe dirigisse a palavra.
Mas nem assim, a sua vontade de luta e sede de conhecimento se desmoronava. O seu amor pela vida continuava, intacto e brilhante como um raio de sol. Mariana acreditava que conseguiria ascender na vida e viria a se sobressair pela simplicidade e postura correcta. Não julgando, não maltratando, apenas vivendo o que a vida teria para lhe oferecer. Aceitando que cada dado novo era um presente de qualquer entidade superior. Não sentia necessidade que lhe explicassem como nem porquê as coisas teriam que ser assim, mas apenas vivia e observava.
Com os seus pensamentos e as suas conclusões criava uma perfeita alquimia de palavras que caminhavam silenciosamente rumo a um diálogo dando espaço para o maior livro que era o livro da sua vida.
À medida que se distanciava da escola e dos problemas que nela encontrava e se aproximava do seu eu interior, como quem mergulha livremente nas calmas e límpidas águas do lago dos cisnes a sua felicidade crescia e com ela, a vontade de unicamente viver a vida pela vida.
Nada mais se importava, para quê mais, se todas as pessoas que contemplava diariamente exibiam as mais belas aparências deste mundo, transportavam as mais luxuosas roupas e seguiam rumo a empregos que apesar de lhes pagarem quantias exuberantes, a infelicidade e o descontentamento era enorme, as relações entre colegas e famílias as consumiam de tal forma que tinham que sobreviver à custa de tranquilizantes para encontrar salpicos de paz nas suas vidas.

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